Ref.: Reportagem “Apóstolos do impossível: lobistas da mineração criam programa para vender a ilusão de um garimpo ambiental correto”.
I. Introdução
Em texto publicado em 16 de agosto de 2022, o portal The Intercept Brasil (IB) divulgou a reportagem em referência, pela qual chama o projeto Garimpo 4.0 de “lorota do garimpo sustentável”, “criado para nos convencer de que o garimpo de ouro pode ser social e ambientalmente responsável”. Ato contínuo, a publicação taxa a Associação Nacional do Ouro (ANORO) como entidade que busca através do lobby junto ao governo federal a liberação de mineração em terras indígenas e traz uma série de ilações a respeito de pessoas e empresas, buscando atrelar a ANORO e o projeto a estudos, ações policiais e judiciais e até mesmo a decretos presidenciais que tratam de assuntos correlatos à atividade garimpeira.
A reportagem, bem como as falas opinativas que ela veicula como reforço às suas elocubrações, está prenhe de mentiras, erros técnicos e jurídicos, além de distorções que comprometem a coesão interna do texto e descredibilizam por completo a sua linha de pensamento. Outrossim, como se verá, a publicação usa o Garimpo 4.0 apenas para reiterar máximas e repisar insinuações vazias sobre o setor mineral e sobre agentes ligados direta ou indiretamente ao mercado de ouro proveniente de Permissão de Lavra Garimpeira (PLG), sobretudo as Distribuidoras de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM).
Conforme tratado a seguir, além de não informar o público, esquivando-se de formar opiniões coerentes com os fatos, a reportagem reitera o padrão de publicações que atacam o garimpo e o mercado de ouro no Brasil, apoiando-se e produzindo um conteúdo enviesado, de baixíssima ou nenhuma reflexão ou estudo, imprestável ao fim que colima e ao embasamento de debates sérios.
II. Mentiras
1. A reportagem mente ao dizer que a ANORO “faz lobby pela liberação da extração de ouro em terras indígenas”.
Ao contrário, reconhecendo a conveniência e a necessidade de conferir segurança e confiabilidade ao mercado, a Associação busca – de forma pública, clara e aberta ao diálogo – propagar uma série de medidas que visam garantir segurança normativa para os processos de produção e comercialização do ouro e estimular a adoção de parâmetros de sustentabilidade pela atividade garimpeira.
Nesse ínterim, conforme, inclusive, apresentado em vários fóruns, o pilar de atuação da ANORO é o combate à mineração ilegal, pelo que se requer um “maior rigor no combate ao garimpo ilegal e à exploração em terras indígenas e áreas de preservação”. Jamais, em nenhuma manifestação sua ou de seus representantes, a ANORO veiculou ou transmitiu a ideia de “expansão da atividade em terras indígenas e áreas protegidas”.
2. A reportagem mente ao dizer que os decretos presidenciais n. 10.965/2022 e 10.966/2022 foram assinados “após intenso lobby da ANORO junto ao governo federal e parlamentares”, insinuando que essas normas de alguma forma atenderiam a pleitos da Associação.
Como dito acima, as manifestações da ANORO são públicas e as reuniões eventualmente realizadas com autoridades públicas são registradas em ata, conforme legislação. Não há, novamente, nenhuma fala, pedido ou ato da Associação que possa atrelar sua atuação à edição dos decretos presidenciais citados.
Além disso, uma leitura simples dos decretos, de documentos do próprio governo federal e das leis atinentes ao setor mineral revelaria o completo descabimento da insinuação feita pela reportagem. Em primeiro lugar porque o decreto n. 10.965/2022 é um ato do poder executivo que altera o decreto n. 9.406/2018, que regulamenta o código de mineração (Decreto-Lei n. 227/67), atualizando-o para adequar suas determinações da Lei n. 14.066/2020 que, por sua vez, incluiu na legislação mineral uma série de obrigações e previsões relativas às questões socioambientais. O esforço para atrelar essa norma à ANORO torna-se particularmente caricato quando a reportagem aduz que o decreto em tela “simplifica o processo que autoriza a exploração mineral em empreendimentos de pequeno porte e materializa uma demanda da Anoro por “desburocratização””, quando o único trecho da norma que menciona a simplificação o faz para destacar os minerais explorados pelo regime de Licenciamento (disciplinado pela Lei n. 6.567/78), e nem sequer menciona o regime de PLG (art. 4º, parágrafo único).
Ao mesmo tempo, o decreto n. 10.966/2022, que cria o Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala (Pró-Mape) e a Comissão Interministerial (Comape) para tratar dos assuntos ligados ao segmento, reverberariam, segundo o texto do IB, “a proposta do projeto da ANORO de um garimpo sustentável” e beneficiariam diretamente um dos associados da ANORO. Em momento algum, seja na reportagem em referência, sejam nos links incluídos no texto, o IB ao menos se esforça para mostrar porque um decreto que abrange toda o setor de mineração em pequena escala, buscando nele inserir padrões de desenvolvimento sustentável, atenderia a um determinado empresário ou a Associação, especificamente. O que se tem aqui, como alhures, são insinuações que partem de um desconhecimento claro sobre a atividade, suas necessidades, atores e potenciais e se alimentam da predileção por determinadas personagens como forma de construção e reforço de uma visão pré-concebida – algo de que podem ser objeto qualquer pessoa que esteja direta ou indiretamente ligada ao mercado de ouro e que se reveste de tons difamatórios e caluniosos sem que o raciocínio subjacente seja minimamente lógico.
3. A reportagem mente ao dizer que os objetivos do projeto Garimpo 4.0 são viabilizar a legalização da atividade garimpeira “em áreas onde hoje é proibida” e “desviar o foco das DTVMs e coloca-lo sobre os garimpeiros”.
Não há, novamente, em nenhum registro feito pela ANORO ou qualquer de seus prestadores de serviço, qualquer frase que conduza à compreensão de que o projeto busca expandir as áreas em que o garimpo atua. Embora essa expansão seja recomendação de estudiosos e entidades especializadas, o Garimpo 4.0 é, essencialmente, um projeto de requalificação do garimpo sob os auspícios do desenvolvimento sustentável, uma ferramenta educacional que busca elevar o patamar das ações e preocupações socioambientais e corporativas dos garimpeiros, garimpeiras e suas associações.
Esse esforço da ANORO nasceu de influências múltiplas, advindas das preocupações com a sustentabilidade e da consciência de que a atividade de mineração em pequena escala, como será mostrado abaixo, pode e deve contribuir para o desenvolvimento sustentável das regiões em que se instala. Nesse sentido, o projeto já foi reconhecido por um dos mais importantes mecanismos internacionais especializados, o IGF (Intergovernmental Forum on Mining, Minerals, Metals and Sustainable Development), que em 2019 realizou o workshop de seu “Guia para Governos: Gerenciando a Mineração Artesanal e em Pequena Escala”, com o Governo Federal e representantes de regiões garimpeiras, e, em 2021, notou no Garimpo 4.0 uma representação concreta do desejo comum por um setor mais sustentável, que busca “humanizar e dignificar os garimpeiros [...] além de promover a conservação ambiental e a legalidade e apoiar a eliminação gradual do mercúrio no garimpo e a rastreabilidade como forma de melhorar as condições de negociação e de vida dos mineiros”. Vale ressaltar aqui que o trabalho de recuperação e reativação do mercúrio, ironicamente citado na reportagem, não apenas segue como mostra-se absolutamente adequado aos princípios que norteiam a Convenção de Minamata, especificamente na Mineração de Ouro artesanal e em pequena escala, da qual o Brasil é signatário, mais especificamente à adoção de medidas para reduzir o uso do mercúrio e as liberações do mercúrio no ambiente, e iniciativas de educação, divulgação e capacitação.
Não existem, portanto, quaisquer ações ou pronunciamentos que visem “transferir responsabilidades” para os produtores, tampouco há a possibilidade – ainda que meramente teórica – de que o projeto sirva a fins que não aqueles já estampados nas manifestações da ANORO. O que há, isso sim, é o reconhecimento da necessidade premente de fazer do garimpo um vetor de bem-estar e prosperidade socioeconômica, de, nos dizeres do IGF, “aumentar a contribuição do setor para o desenvolvimento sustentável”. Assim, reiteramos que todo o trabalho desenvolvido não se calca em premissas vagas. Antes, trabalha com a consciência das limitações e dificuldades encontradas em todo projeto que tem, como ferramenta, a educação.
4. A reportagem mente ao dizer que “trabalho escravo, violência sexual contra mulheres e crianças, prostituição tráfico de drogas, presença do crime organizado, tráfico de mercúrio e contaminação e adoecimento de povos indígenas e comunidades tradicionais são outros problemas crônicos derivados do garimpo”.
Os textos linkados à reportagem do IB, no mesmo parágrafo transcrito acima, fazem alusão a garimpos ilegais instalados em terras indígenas. Não são realizadas ou referenciadas quaisquer publicações, notícias, pesquisas que mostrem esses problemas como “derivados do garimpo”. O que há, claramente, é a tentativa de forjar uma verdade, atribuindo a todo um segmento do setor mineral – que, para ser autorizado, atende a normas constitucionais, legais e regulatórias – a pecha de ilegal.
5. A reportagem mente, esconde e distorce informações trazidas pelo estudo “Legalidade da produção de ouro no Brasil”, feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com procuradores do Ministério Público Federal (MPF).
Segundo a reportagem, o estudo da UFMG aponta que “apenas 34%” da produção de ouro no Brasil entre 2019 e 2020 (174 toneladas) “tiveram origem aparentemente legal”, o que demonstraria com a atividade garimpeira é “atravessada pela ilegalidade”.
O estudo não afirma que “apenas 34%” do ouro produzido no país “tiveram origem aparentemente legal”, mas que, diante dos dados disponíveis e disponibilizados pela Agência Nacional de Mineração (ANM), só foi possível aferir a legalidade de 34%. Ademais, o estudo identificou 28% da produção aurífera nacional nos anos analisados como “irregulares”, dos quais grande parte (20,4 toneladas) são produzidos sob o regime de Concessão de Lavra, não de PLG, e somente 6,3 toneladas poderiam ser classificadas como ilegais. Embora esse montante não seja desprezível, o fato é que o estudo da UFMG com o MPF afirma que apenas 4% da produção de ouro no Brasil pode ser classificada como ilegal e que as “irregularidades” encontradas não se circunscrevem à mineração em pequena escala – ao contrário, conforme aduz o estudo, 38% da produção nacional (66,12 toneladas) não é passível de classificação porque os dados minerários não foram localizados no banco de dados da ANM e, destes, apenas 0,6toneladas (ou 0,009%) seriam provenientes de PLG.
Ou seja, o maior montante de ouro sobre o qual não se tem informações públicas mínimas e que, ainda que se discuta a classificação utilizada pelos pesquisadores e procuradores, podem apresentar indícios de irregularidades são produzidos por grandes mineradoras sob o regime de Concessão de Lavra, e não por garimpeiros e cooperativas.
III. Erros e desvios técnicos e jurídicos
Além das mentiras contadas em vários trechos da reportagem, úteis para ilustrar as convicções de seus autores, as opiniões de personagens trazidas no texto sobrecarregam-no com erros e disformidades entre a realidade técnico-geológica do garimpo, seu arcabouço legal e regulamentar, e o papel dos diversos atores envolvidos na cadeia comercial do ouro produzido por PLG.
1. Segundo a reportagem, Rodrigo Oliveira, pesquisador do Instituto Socioambiental, afirmou o seguinte: “É todo um mercado estruturado para fraudar. E as compradoras, eu tenho convicção em afirmar, são as responsáveis, porque são elas que movimentam o mercado”. Ao que se registra na publicação, para o pesquisador o problema centrado do Garimpo 4.0 seria “tirar a atenção de onde está a verdadeira legalidade”, que, na sua opinião, seria encontrada nas instituições compradoras.
Como o próprio pesquisador ouvido pela reportagem confirma, suas afirmações não se baseiam em provas, mas em convicções – o que repete a máxima, já desmantelada pelo direito e pela história, segundo a qual em um procedimento acusatório não seria necessário apresentar provas, apenas convicções seriam suficientes para imputar má- conduta a outrem.
Essa fórmula, que consiste em atribuir participação das DTVMs em crimes praticados na produção de ouro em garimpos, quando nem sequer se procura provar essa convicção, é repetida por entidades similares ao Instituto Socioambiental como forma de incriminar a atuação das compradoras. Para além de um esforço narrativo, essa postura requer a ignorância da legislação que normatiza a atividade garimpeira e a comercialização do ouro a instituição autorizada pelo Banco Central do Brasil (BCB).
Com efeito, a atividade garimpeira é disciplinada, essencialmente, pelas Leis n. 7.805/89, 7.766/89, 11.685/2008 e 12.844/2013 e regulada, autorizada e fiscalizada pela Agência Nacional de Mineração (ANM) e pelos órgãos ambientais (federais, estaduais e municipais), que emitem, respectivamente, a Permissão de Lavra Garimpeira e a licença ambiental competente. A esses órgãos cabe a vigilância e a segurança sobre a fase de produção (1a fase) do ouro de garimpo.
Conforme se extrai da legislação, o ouro produto dessa atividade é um ativo financeiro desde a origem (cf. art. 2o, Lei 7.766/89) e deve ser vendido para instituição autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil (cf. art. 39, Lei n. 12.844/2013), fato jurídico e econômico denominado 1a aquisição, a partir do qual se inicia a fase comercial- financeira (2a fase) do ouro e se adentra à competência regulatória do BCB. Nesse ínterim, a partir do início de sua participação no mercado, as instituições financeiras filiadas à ANORO (atuantes apenas na 2a fase) são diuturna e rigorosamente fiscalizadas pelo Banco Central, que jamais as censurou ou advertiu, atestando a correção de suas condutas.
Por ser o ouro proveniente de garimpo um ativo financeiro, com potenciais efeitos sistêmicos, a Lei houve por bem impor uma série de deveres às instituições financeiras, condicionando a regularidade da aquisição do ouro proveniente de PLG ao cadastramento e arquivamento de informações da origem do mineral e do vendedor (cf. arts. 39 e 40, Lei 12.844/2013). Cumpridas essas obrigações, diz a lei, “presumem-se a legalidade do ouro adquirido e a boa-fé da pessoa jurídica adquirente” (§4o, art. 39, Lei 12.844/2013), de maneira que, conforme a regra elementar do mercado determina, as instituições financeiras não têm competência (tampouco aptidão técnica) para fiscalizar a atividade minerária ou suas externalidades.
A isso se combinam dois fatos. O primeiro, como citado acima, no estudo da “Legalidade da produção de ouro no Brasil” e em inúmeras manifestações do Ministério Público Federal, somente as DTVM e instituições autorizadas pelo BCB podem comprar ouro proveniente de PLG. No entanto, registra o estudo, “na prática há venda de ouro oriundo de garimpo a estabelecimentos “comerciais”, que comercializam ouro sob a forma de mercadoria”, fato sobejamente conhecido das autoridades e dos institutos de pesquisa dedicados ao tema que, como também descreve a UFMG e o MPF, a partir dos dados disponibilizados pela ANM, possuem condições de “visualizar o fluxo do ouro ilegal, ou seja, quem é o responsável pelo título minerário de origem do ouro e quem recolheu a CFEM”.
Ou seja, institutos privados, órgãos e entidades públicas sabem quem comercializa ouro ilegalmente e, nada obstante, jamais divulgam, expõem ou combatem efetivamente esta prática, dedicando-se, sim, a descredibilizar as instituições financeiras e buscar impor a elas obrigações de fiscalização e controle que cabem, segundo a legislação, ao Estado.
Em curtas palavras, o que o pesquisador ouvido pela reportagem propõe, nesse ponto, é a responsabilização de pessoas ao alvedrio da lei, deixando de lado os praticantes de ilícitos no mercado de ouro de garimpo. Assim fica claro que o objetivo não é a busca desinteressada pela legalidade, mas a concertação de esforços para, ultrapassando os termos da lei, desmoralizar e caluniar empresas legal e regularmente atuantes enquanto os malfeitores incontestes e conhecidos não são incomodados.
2. Noutro ponto, o mesmo pesquisador afirma que: “A nota fiscal [defendida pelo Garimpo 4.0] já é uma obrigação, toda transação tem que ter. Mas isso não garantiria o bloqueio de uma transação suspeita. A ausência de rastreabilidade está associada a muitos outros problemas. Por exemplo, a legislação dispensa que o garimpeiro faça um estudo do tamanho da jazida na área. Tem processos minerários que não têm ouro nenhum. Como não se sabe quanto ouro tem ali, é um poço sem fundo para lavar dinheiro. A ausência de um sistema informatizado de custódia do ouro de garimpo é o problema central”.
Há, pelo menos, dois problemas nesse trecho. O primeiro deles é o fato de que a ANORO não defende somente a emissão de nota fiscal nas transações com o ouro. Isso, como se sabe, é obrigação legal. O que ela defende é exatamente a modernização deste e de outros documentos, o que demanda a confecção de uma Nota Fiscal Eletrônica (NFe) e a informatização de todos os registros envolvendo o ouro ativo financeiro. Esse equívoco muito evidente, combinado com a citação de personagens incluídos na reportagem por entrevistados, talvez indique um direcionamento das participações e falas dos convidados pelas premissas e conclusões do jornalista, o que, obviamente, não contribui para a credibilidade e isenção do trabalho.
Outro erro, desta vez conceitual e técnico, está na problematização do fato de que “a legislação dispensa que o garimpeiro faça um estudo do tamanho da jazida na área” e na consequente compreensão segundo a qual o dimensionamento da jazida deveria ser imposto no regime de PLG como forma de controlar a produção garimpeira. Esse entendimento, que é repisado de outras publicações,8 ignora um fato muito simples: conforme a Lei n. 7.805/89, o regime de Permissão de Lavra Garimpeira só existe para “o aproveitamento imediato de jazimento mineral que, por sua natureza, dimensão, localização e utilização econômica, possa ser lavrado, independentemente de prévios trabalhos de pesquisa” (art. 1o, parágrafo único); em outras palavras, a PLG só é outorgada quando, em razão das condições técnico-geológicas do local, da variabilidade territorial e da erraticidade do mineral, não há possibilidades técnicas de mensuração precisa da jazida. Não existem, portanto, ligações entre a proposta do pesquisador entrevista e a realidade.
3. Em vários momentos da reportagem, sobretudo quando são reproduzidas falas dos entrevistados, fala-se dos esforços do Garimpo 4.0 e da atividade garimpeira em tom jocoso, irônico e depreciativo, tratando os consultores do projeto como “apóstolos da lorota”, o projeto em si como “retórica de responsabilidade social e atividade ambientalmente amigável para facilitar a expansão” e o garimpo como algo “completamente irregular e descontrolado [qu]e fere diversas normas”.
As iniciativas públicas e privadas que buscam adequar o garimpo de ouro aos ditames do desenvolvimento sustentável não são vistas assim pelas agências internacionais responsáveis pela governança global de temas como a própria mineração em pequena escala e o controle do mercúrio. Ao contrário do que insinua a publicação em referência, a visão dos organismos internacionais sobre o garimpo registra que “contribuir para que as comunidades dedicadas à mineração de ouro em pequena escala retirem os maiores benefícios socioambientais desta oportunidade de desenvolvimento é absolutamente possível. O necessário é somente conhecimento e compreensão da realidade, inovação, financiamento e vontade”.
Nesse ínterim, a literatura especializada dá conta de que dois fatores são especialmente deletérios para consecução dos objetivos do desenvolvimento sustentável: a informalidade e a qualificação profissional insuficiente.10 Nesse sentido, entidades como a OCDE,11 a UNCTAD,12 o Banco Mundial,13 a Organização Internacional do Trabalho (OIT)14 e o IGF,15 por exemplo, reconhecem as potencialidades da mineração em pequena escala como contribuidor para o desenvolvimento, sobretudo por sua capacidade de gerar empregos, estimular a economia local e “trazer resiliência para comunidades rurais, auxiliando-as a estabilizar suas fontes de renda”.16 Essas instituições, assim como o fazem a própria Convenção de Minamata, o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente)17 e o Projeto MPE-META, são uníssonas no entendimento de que os esforços que visem diminuir e evitar danos e retirar as melhores consequências desenvolvimentistas da mineração em pequena escala devem instituir políticas de formalização e, sobretudo, de treinamento e capacitação,18 que, na prática convergem e só são eficazes quando aplicadas conjuntamente.
Com efeito, o Garimpo 4.0, que almeja, sobretudo, capacitar os garimpeiros e garimpeiras para (i) o melhor uso dos insumos químicos e dos recursos hídricos, (ii) a recuperação ambiental, (iii) o correto descarte do lixo, (iv) o respeito às normas de saúde e segurança e a (v) utilização das melhores técnicas disponíveis para a lavra, não só se coaduna enquanto iniciativa com os mais referenciados instrumentos sobre o setor, como busca levar às comunidades envolvidas na mineração de ouro em pequena escala os debates sobre questões de gênero e de educação básica e profissionalizante e os conhecimentos necessários para promover a diversificação da matriz econômica e a autonomização econômica e jurídica da população.
Por isso, falas como a de Luísa Molina, consultora do Instituto Socioambiental, alcunhando de “retórica” as ações envolvendo a responsabilidade socioambiental da atividade, e a de Rodrigo Oliveira, questionando a pertinência em “estabelecer medidas de educação ambiental para o garimpeiro” e afirmando que o “garimpeiro saber usar a retorta, tomar água fervida, não tem absolutamente nenhuma repercussão” não se prestam a diminuir ou desqualificar o Garimpo 4.0, mas simplesmente a registrar o desconhecimento contumaz sobre a atividade, suas funções sociais e econômicas, bem como a contribuir para disseminação da visão plastificada sobre o garimpo e o mercado de ouro no Brasil, que, como visto, em nada alcançam as formulações que pretendem, de fato, fazer das atividades econômicas praticadas no país um veículo de desenvolvimento sustentável.
IV. Conclusão
Apoiando-se em erros de leitura e de avaliação, a reportagem tenta desmerecer uma iniciativa pioneira e corajosa, imiscuindo a adjetivos desabonadores afirmações que não dizem respeito ao mercado de ouro ativo financeiro. Trata, além disso, uma atividade legal e regular como responsável pelos efeitos das ilegalidades, misturando informações que não dizem respeito à atividade regular como forma de “ilustrar” as ilações a que atribui efeitos de verdades.
Em todo o tortuoso percurso tomado pelo texto, ironiza o trabalho de pessoas sobre as quais não existem suspeitas e colhe testemunhos de pessoas que jamais conheceram as atividades do projeto, como se daí adviessem os juízos e soluções perfeitas para o setor.
O objetivo de dar a atividade minerária em pequena escala a segurança e a confiabilidade que a sociedade espera não será alcançado com texto que se valem da facilidade, abusam do senso comum, e demonstram, como dito, pouco conteúdo e baixíssima ou nenhuma reflexão ou estudo. Tratamos, nas ações capitaneadas pela Associação Nacional do Ouro, de um mercado complexo, que clama por soluções que sejam também complexas. Assim como convicções não são prova e opiniões não são conhecimento, não é possível obter sucesso pela continuidade de abordagens, visões e afirmações já fracassadas. Como já citado, o reconhecido colegiado internacional que sustenta as orientações e interesses voltados à mineração apoia e engrandece as ações voltadas à educação, atualização e instrumentalização dos agentes do garimpo legal. Estranho é que apenas no Brasil este movimento seja considerado ineficiente e, como dito no título do artigo aqui discutido, e o empreendimento para a construção de um garimpo sustentável seja compreendido como ilusório.
Resumidamente, é triste verificar e comprovar que a disseminação de matérias mentirosas, pautadas em inconsistência factual, tem por única finalidade ancorar e intencionalmente apoiar determinados segmentos por interesse próprio. Não é preciso muito para constatar a aproximação do referido veículo de informação, que deveria servir para a transmissão de noticias pautadas na coerência e na verdade, a estratégias de disseminação de ódio e de mentiras que, pela insistente repetição, tomam-se por verdade. Falta embasamento.
A matéria jornalística aqui comentada, ademais de tudo o que já se disse, representa uma grave afronta a princípios e valores que regem o Direito, pautando-se pela subjetividade da convicção, exaltando o ódio e desmerecendo valores próprios da democracia.
São Paulo, 25 de agosto de 2022. Associação Nacional do Ouro - ANORO Diretoria Executiva
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